As eleições de 94 e 98 têm uma nova característica em relação às anteriores. Brizola e Moreira, eleitos em 82, 86 e 90, intercaladamente, tinham referências familiares, como Jango e Amaral Peixoto. Mas a era da “política feita em casa” tinha chegado ao fim.
A ascensão de um Garotinho
Sendo bem realista, era difícil imaginar que alguém saído de Campos tornaria-se uma referência política no Rio de Janeiro. Nada contra a cidade. Mas a distância geográfica da capital é um problema para políticos que desejam alavancar suas carreiras para planos maiores. Até mesmo se este for de Niterói, a antiga capital, por exemplo.
Mais conhecido como Garotinho, Anthony William Matheus de Oliveira costuma dizer que mora na mesma casa até hoje. É radialista desde moleque, o que comprova sua habilidade ímpar falando na rádio e tevê. Não é exagero dizer que ele é uma dos maiores líderes dessa geração de políticos.
Aliás, o nome “Garotinho”, também atribuído ao locutor esportivo José Carlos Araújo, foi motivo de briga judicial entre os dois. Hoje ambos compartilham da mesma alcunha, mas o político tem mais projeção.
Em política não existe vácuo.
Todos sabemos que “em política não existe vácuo”. Depois de César Maia e Marcello Alencar saírem do PDT, ficou um vácuo no partido. Não precisa ser gênio para chegar a essa conclusão. Basta ver o cenário daquelas eleições. Brizola desejava vir candidato à presidência, mas precisava de um líder regional. Ou melhor: de um cara que fechasse com ele, pois as eleições presidenciais de 94 vinham aí! Era necessário manter uma base de apoio no governo fluminense.
Em 1989, Garotinho foi eleito para a prefeitura de Campos dos Goytacazes, o 2º maior município em território do RJ. Como citei na parte 3, os prefeitos de 88 em diante deram uma “sorte” danada, pois foram beneficiados pela nova constituição federal que refez as contas na distribuição de renda entre municípios, estados e federação. E com dinheiro, amigo, qualquer um vira Deus, nem que seja por 5 minutos. No caso dele, por 4 anos.
Campos foi uma cidade canavieira. Ao lado de Conceição de Macabu, plantou cana-de-açúcar até dizer chega. Chegando lá, é possível ver a decadência canavieira com a visão de algumas usinas que foram fechadas. Mas, olha, se tem algo que aquele lugar tem é “sorte”. Eis que, no fundo do mar, encontraram algo que mudaria toda a cidade: o Petróleo!
E quem você acha que também se deu bem com isso tudo?
Terminado o mandato sendo considerado “o melhor prefeito do Brasil”, Garotinho foi alçado ao governo Leonel Brizola. O agora secretário da agricultura estava com a carta de recomendação assinada pelo “rei” para ser o próximo governador do Rio de Janeiro.
Primeiro teste: Garotinho vs. Marcello Alencar
No primeiro combate, Anthony veio pra batalha contra Marcello. Com um 2º mandato problemático, principalmente com o crescimento dos índices de violência no Rio, Brizola não deixou um bom legado para Garotinho se vangloriar no pleito.
Sejamos realistas: a porrada estancou no governo Brizola. Não que nos outros tenha sido diferente, diga-se de passagem. Mas é público que a polícia foi impedida de fazer suas incursões policiais, por conta do posicionamento do governador. Entretanto, o contexto que Brizola entrou em 82 estava bem diferente em 90. Segundo alguns especialistas em segurança pública, um fator foi determinante: a entrada das armas no tráfico de drogas. O armamento somado ao número crescente de jovens que nasceram nas décadas anteriores formou um exército, que deu origem ao atual “poder paralelo”.
“Sarajevo é brincadeira. Aqui é o Rio de Janeiro!” — Planet Hemp
Outro fator complicador aconteceu na véspera das eleições do 1º turno: um acidente de carro sofrido por Garotinho. Dizem que foi após esse evento que ele se converteu ao presbiterianismo, tornando-se evangélico.
Enfim, Garotinho perdeu para Marcello Alencar, que ficou com a rabuda pra resolver. Como sabemos, sem sucesso. Na verdade, as coisas só pioraram.
Por 4 anos, a dinastia brizolista teve um dissidente no poder.
Segundo teste: Garotinho vs. César Maia
Voltando a ser prefeito de Campos em 1997, Garotinho saiu em 1998. Segundo ele, houve uma enquete para saber se a população campista aprovava ou não sua saída para disputar o estado. Ganhando o “SIM”, Anthony saiu em busca da vitória.
Enquanto isso, Brizola decaia ainda mais, agora como vice na chapa de Lula para as eleições presidenciais de 98. Só que a dupla concorrente era forte: Fernando Henrique e Plano Real. Resultado: porrada forte e derrota no 1º turno.
No Rio, a briga foi boa. César vinha de um mandato (1993-1996) onde elegeu seu poste, Luis Paulo Conde, como sucessor na prefeitura do Rio. Garotinho vinha de um segundo mandato em Campos e de um 2º lugar nas eleições de 1994.
César começou na frente, mas Garotinho o superou em pouco tempo. Abaixo, o gráfico da pesquisa Datafolha, com a evolução das campanhas. Foi uma eleição polarizada, ou seja, ficou entre os dois candidatos. Luiz Paulo Corrêa, poste e vice de Marcello Allencar, não saiu do fundo da tabela.
César foi a nocaute. Nas 3 eleições seguintes não tentou mais o governo do estado. Porém, se elegeu mais 2 vezes (2000 e 2004) à prefeitura carioca.
Marcello também saiu derrotado. Viu seu PSDB minguar no Rio. Nunca mais o partido conseguiu eleger um candidato a algum cargo de relevância dentro do estado. O nome mais forte do Partido da Social Democracia Brasileira estava contando as horas para entrar de cabeça no lado sinistro da força. Sim, Sérgio Cabral iria para o PMDB, se aliando à família Garotinho nas duas eleições seguintes.
Anthony estava consolidado. Nada nem ninguém era mais forte que ele. Sua soberba cresceu junto com sua popularidade, caindo no mesmo erro dos governadores fluminenses: a cobiça pelo Planalto.
Sendo opinativo, reafirmo: a cobiça pelo planalto é o maior defeito dos governadores do RJ.
Naquele cenário torpe da segurança pública no estado, inovações locais como o ISP (Instituto de Segurança Pública) e a Delegacia Legal deram a cara jovem que aquele governo buscava. Em um daqueles dias mais tensos, a população do morro da Mangueira foi protestar na rua em confronto com a polícia. No dia seguinte, Garotinho subiu o morro e foi conversar pessoalmente com o povo. Entrar na favela era cena raríssima entre políticos fora das eleições.
Atos públicos como esse somados às políticas do “1 real” deixaram o governador extremamente popular. Seu plano era claro: se candidatar a presidente da República. Assim como seu mestre, o Leonel.
Enquanto Garotinho aproveitava o seu verão, Brizola amargava seus dias de inverno. A primeira “pá-de-cal” foi nas eleições para prefeito do Rio de Janeiro, em 2000, quando Brizola ficou em 4º lugar. Ele impôs sua candidatura ao PDT, a contragosto de Garotinho que tinha um acordo de apoio com sua vice-governadora, Benedita da Silva, que no mesmo pleito chegou em 3º lugar. Enfim, ambos perderam.
Garotinho, já com grande projeção nacional, deixou o PDT e migrou para o PSB (Partido Socialista Brasileiro). Em 2002, deixou Benedita com a granada na mão e partiu para sua tentativa presidencial.
Ficou em terceiro lugar. Em compensação, viu o quadro eleitoral do Rio cortejá-lo como o novo monarca fluminense. Elegeu Rosinha, sua esposa, que nunca tinha sido nem vereadora na vida. De quebra, ainda apoiou Crivella, que levou a segunda vaga do senado federal pelo Rio, enterrando de vez a candidatura de Brizola, também ao senado. Foi a sua última eleição.
A partir daí, Garotinho seria determinante no calendário político do Brasil e do Rio de Janeiro. Sendo responsável, inclusive, pela vitória do próximo governador: o então senador, Sérgio Cabral.
Mas isso já é outro capítulo.
Bônus
Confira a trajetória de Anthony Garotinho em fotos.