Caminhando em direção ao falso pote de ouro
Até bem pouco tempo atrás, ainda era possível ver hordas de mamães, papais, titias e vovós dizendo: “Olha! Essa nova geração sabe tudo desse negócio de computador!” Outros iam ainda mais longe: “Eles já nascem de olho aberto!” Depois do surgimento das telas touch, ainda era possível ver alguns crendo que os filhos eram superdotados: “Gente, como essa menina conseguiu botar esses vídeos no celular? Brilhante!” E assim vai. Já vi cada episódio… vi gente jurando que a criança era diferente por uma série de habilidades que passavam longe de falar duas línguas, resolver expressões matemáticas ou tocar bem um instrumento musical. Enfim, só me restava rir e concordar pra não deixar os outros sem graça.
Lembro que meu 1º computador foi aos 10 anos, lá nos idos de 1996. Era um 586 que fazia o básico, mas o suficiente para brincar. Assim como vários meninos e meninas dessa época que tiveram o mesmo acesso, talvez o “brincar” fosse criar documentos no pacote office, montar e desmontar máquinas, impressoras, instalar programas que travavam o PC, enfim, experimentar.
Num momento onde a internet era um bebê, as escolas corriam para inserir aquela novidade chamada “informática” na grade. Como não tinham muita ideia do que ensinar, lá íamos nós, filhos de famílias de classe média, aprender DOS, Windows, Word, Excel, Power Point e, até mesmo, HTML. Aprendi a linguagem básica da internet em 1997. Mas confesso que até hoje acho mágico como um documento .txt se transforma numa página de internet, bancos de dados, sistemas complexos.
Aquelas crianças e adolescentes não eram especiais. Muito menos dotados de uma inteligência maior que das outras gerações. Assim como os bebês, elas respondiam aos vários estímulos diários de curiosidade, somados ao tempo de sobra para gastar naquele brinquedo novo chamado computador.
Mas algo aconteceu nesse meio do caminho.
Gerações que pularam o desktop
Com a graça do bom Deus, Alá, Jeová ou da tecnologia criada pelo homem mesmo, a internet, as redes telefônicas, a capacidade de mobilidade, processamento e armazenamento deram um salto qualitativo inacreditável.
Com isso, muita gente que não teve acesso aos caros desktops e laptops teve seu primeiro acesso à web através do conhecido celular. Com o advento do 3G e 4G, redes wifi, o que antes era luxo, virou o essencial. Agora, entrar na internet é requisito básico.
Mas a história não é feita apenas de vencedores. Curiosamente, aquela capacitação informal que rolava antes, naquela brincadeira com computadores, continua sendo uma lacuna para muitos que não têm acesso.
E assim vimos o nascimento de uma geração ultra tecnológica, mas que só sabe entrar na internet.
Mercado de trabalho
Cheguei a esse assunto depois que vi alguns relatos próximos falando sobre contratação de jovens, especialmente os que não foram à faculdade. Ou seja, a maioria. Quando fiquei sabendo que existem pessoas que citam em seus currículos habilidades como “entrar na internet”, “internet explorer” e “google chrome”, fiquei um pouco surpreso.
Muito provavelmente, para o público que aqui lê, tudo isso pode parecer um tanto absurdo. Afinal, olha os youtubers, digital influencers, creators e toda a new generation. Certamente, alguém dirá: “Eles não sabem mexer no power point, excel e são um sucesso!”
Verdade, gente. Mas vamos lá… você vai querer usar 0,00001 ou sei lá quantos porcento para justificar isso? Sem falar naquele detalhinho básico sobre a origem social da maioria. Brancos, sudestinos, classe-média, e assim vai. O Whindersson é uma meia-exceção por ter vindo do Piauí, e talvez por ter esse jeito mais povão tenha feito tanto sucesso. Entretanto, são pouquíssimos que brilham na web, nos mesmos moldes da televisão.
Nas ruas, na labuta do dia a dia, a falta de contato com dispositivos não-móveis é um limitante real. Até onde sei, boa parte dos trabalhos melhor remunerados no Brasil exigem algumas horas diárias na frente de um computador. Trabalhar no celular em longos períodos não é tão confortável assim. E a falta de intimidade gera barreiras.
Desigualdades à vista
E novamente, caímos no mesmo assunto: desigualdades sociais.
A internet restrita aos celulares criou uma ilusão de acesso às habilidades relativas ao que chamamos de informática. Eu preferiria evitar prognósticos futuros, mas levando em conta que nosso bônus demográfico, ou seja, muita gente jovem em idade ativa no país, está caminhando rapidamente para o fim, não creio que o futuro do mercado de trabalho seja tão animador para quem tem a atual instrução mediana. Capacitação é uma solução. Entretanto, o tempo para aprender algo novo nem sempre é suficiente, especialmente em fases da vida onde há filhos envolvidos.
Há pouco tempo, uma amiga e sua irmã, que tinham todos os requisitos básicos para o alto perfil educacional brasileiro: formadas em renomadas faculdades públicas, inglês fluente, bons conhecimentos culturais, simplesmente, saíram do Brasil. Fácil assim. E não eram ricas, nem bem-nascidas. Eram apenas filhas de uma classe média com acesso aquilo que falei lá em cima. Resumindo: educação de qualidade.
E é o que vai acontecer com os jovens que estão desenvolvendo games e soluções para web, por exemplo. Daqui a pouco, eles saem do país.
E sobre todos os outros que disputam vagas de trabalho que poderão ser substituídas por máquinas no futuro? O que será deles? Pois bem, é uma geração tecnológica, lembra? E como a tecnologia está em todas as coisas, ela vai dar um jeito de manter todos bem entretidos, enquanto o fosso educacional só aumenta.