Em Praga, depois de uma boa andada pela cidade, chego no hostel. Abro a porta e me deparo com um grupo, um bonde de 6 cidadãos, para ser mais preciso. A gente começa a trocar aquela ideia básica de viajante. Pergunto de onde eles são e a resposta vem sonora: Barcelona. De cara, digo que podem falar espanhol, porque sou do Brasil (portunhol é nóis!). A feição muda e os rostos ficam felizes rapidamente.
Às vezes, acho que Brasil é uma palavra meio mágica. Papo vai e comento que tinha passado por lá semanas antes, justamente no dia da comemoração. Me perguntam o que achei. Aí, eu lanço: “tá na hora de ser independente já! Catalunha livre.” Cara… só vejo aqueles olhinhos brilhando e falando uns para os outros: “Ele também é independentista!” Se abraçaram e começaram a cantar uma canção da Catalunha… o sentimento nacionalista toma conta do ambiente.
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Dia e hora certa na Catalunha
No dia 11 de setembro de 1714, a Catalunha abdicou de sua independência, rendendo-se ao poderio militar castelhano. Hoje, o “estado autônomo” faz parte do território espanhol, mas a independência é um sonho de muitos catalães. O feriado comemorativo no dia fatídico faz todo o sentido, lembrando que é preciso recordar o que você já foi e sofreu quando tudo mudou.
Até um dia antes de chegar lá, não fazia a menor ideia do que iria acontecer. Graças à tevê madrilenha, onde estava antes, fui entrando no clima. Chegar em Barcelona num 11 de setembro foi curioso. Avião desceu, pegamos o trem, deixamos as coisas no hostel e partimos pra rua.
Vou te falar que eu ainda estava naquele clima de junho (2013). E tudo quanto era manifestação popular me interessava (Vide a experiência da Turquia). A questão catalã se adensou ainda mais após a crise econômica que pegou a Europa em cheio. Mais do que nunca, o sentimento separatista está ativo. Afinal, nada melhor que mexer no bolso pra causar uma boa confusão. No vídeo anterior, dá pra ter uma cheiro de como é a situação.
Chegamos no momento em que lançavam o tricentenário, iniciando o marco dos 300 anos que se completam em 2014. O que se via nas ruas era um sentimento difícil de mensurar. Casas e prédios com as bandeiras na janela, crianças, adultos, cachorros, todos vestidos de vermelho, amarelo e seu detalhe azul, identificando um lugar que só eles sabem o que significa. Apesar de todo o impasse com Madrid, há uma expectativa de que se faça uma consulta popular sobre a liberdade do território ainda em 2014.
Ter vivido e lembrar de tudo isso só me trouxe uma questão: e nós?
Nosso 7 de setembro
Quatro dias antes das comemorações Catalãs, temos a nossa. Conta a lenda que em 7 de setembro de 1822, Dom Pedro I proclamou a independência do Brasil, montado em seu cavalo às margens plácidas do rio Ipiranga. Não teve luta armada, conflitos difíceis, nada muito tenso, comparado a outras independências.
Independência ou Morte. Obra de Pedro Américo, encomendada pela Família Real e entregue em 1888.
Temos diversas questões que nos afastam dessa data de “unificação nacional”. Abordá-las é algo que prefiro deixar para os livros de história. Mas o fato mais visível é o resquício histórico do forte envolvimento militar nas paradas cívicas, que para mim é um entrave nesse “abraço popular”. Não consigo ver uma aproximação real das pessoas com um tanque do exército passando no meio da rua. Pelo contrário, há um abismo, dando a entender que aquela comemoração não é do povo, e sim de uma instituição.
Aliás, vale lembrar que nossas duas “datas cívicas”, 7 de setembro e 15 de novembro, são referentes à acontecimentos que pouco tem a ver com participação popular. Pelo contrário, a lógica de “fazer a revolução antes que o povo a faça” parece ser um mantra nas reviravoltas históricas brasileiras.
É lógico que os momentos que Brasil e Catalunha passam (e passaram) são completamente diferentes. Mas sentir o “clima de copa” num dia nacional é algo valioso. Ver que isso faz parte da cultura e do ‘dna’ catalão me dá uma certa tristeza conosco, pois aqui precisamos aguardar 4 anos para que isso chegue novamente. E pior, esse motivo, o futebol, está se esforçando para se tornar cada vez mais fútil. Sim, infelizmente.
Enquanto isso, numa força inversamente proporcional, a marca Brasil torna-se forte fora das linhas imaginárias que nos dividem do mar e da América do Sul. O fruto disso é aquele sorriso expontâneo que relatei lá no primeiro parágrafo, entre tantos outros quando se fala da pátria verde amarela para alguém que não é daqui.
Comparar dois territórios tão diferentes entre si, como Brasil e Catalunha, é irrelevante. Mas lembrar que é possível construirmos sentimentos de integração nacional, assim como esse território que ainda não é um estado independente, sim é possível. Talvez assim, o respeito dos cidadãos com o lugar onde moram torne-se cada vez mais sólido e verdadeiro. Por mais repetitivo e clichê que seja a frase, precisamos de menos carros de guerra e mais gente de paz.
Ah, esqueci de dizer uma coisa: Viva Catalunha! 😉