Noutro dia, passando pelas sugestões do Youtube, apareceu um vídeo com aquela matéria clássica dos programas de domingo à tarde: “artistas do passado que perderam tudo.” Essa pauta às vezes também vem travestida sob o título de “Por onde anda Fulano…”. As histórias costumam ter uma pontinha de tristeza, onde o lamento maior é que, se antes todos me conheciam, agora ninguém mais sabe quem sou. Sem falar na frase que é quase um ditado brasileiro: “os amigos sumiram quando sucesso e dinheiro acabaram”.
Por que os amigos somem quando o sucesso ou dinheiro acabam?
Cliquei no vídeo e assisti a duas dessas histórias. Ambas as personagens, um homem e uma mulher, são de um grupo musical, daqueles de pagode baiano que foram muito sucesso entre 90/2000. A trajetória de ambos foi um tanto trágica. Entre depressões, uso de drogas, sobrepeso e desesperança, conseguiram dar a volta por cima. Ela, dançarina, passou a ser apresentadora de tv local. Ele, que era o vocalista, agora é auxiliar de serviços gerais no supermercado.
No meio da matéria, como de costume, o repórter foi até o local onde eles moram para conversar com os familiares e amigos de hoje. Por “coincidência”, eles eram os mesmos de antes da fama nacional. Na marra, ambos aprenderam (eu acho) que os amigos são circunstanciais.
Circunstâncias são a soma de todos os fatores de um determinado momento. Ambiente, momento familiar, condição financeira, trabalho, religião, local, interesses em comum, tudo isso define quem serão ou não seus amigos. Por isso, quando mudamos nosso padrão financeiro, nossa residência, nosso ambiente de trabalho, até mesmo nossas roupas, ganhamos ou perdemos amigos. E se você acha que não, das duas uma: ou você nunca mudou nada em sua vida, ou ainda não se deu conta disso.
Penso que boa parte das pessoas que falam sobre dinheiro e amizade, pouco param para refletir sobre isso. Se esquecem que elas também se esforçaram para atar aquele laço afetivo naquele bom momento financeiro, e que também podem ter se esquecido dos outros amigos. Logo, se as circunstâncias mudam, a amizade também tende a se enfraquecer ou inexistir. Por isso, fica sempre a dica para o que você chama de amigo.
O mito da amizade infantil — não ponha a culpa nas redes sociais
Já li e reli muitos comentários pondo a culpa nas redes sociais pelas “amizades líquidas” e tal… Penso ao contrário. Afinal, se não fossem as redes sociais eu não conseguiria falar com boa parte das pessoas que em algum momento da minha vida atei laços de amizade. Para a sorte da nossa geração 80/90, assim que saímos da escola, o fenômeno Orkut começou a abrir espaço nesse mercado digital. Minha mãe, por exemplo, só conseguiu reunir sua turma de faculdade de 83 há pouco tempo, graças ao Whatsapp. Agora, frequente, eles se encontram pessoalmente.
Sinto que o maior responsável por algumas pessoas se sentirem deprimidas falando sobre amizade é esse mito da “amizade infantil”. Como seres humanos curtem padrões, algumas (muitas) pessoas caem nesse conto do formato amigos de infância. Talvez para terem a falsa segurança de que conhecem alguém durante tanto tempo que podem, utopicamente, ter com quem contar num estalar de dedos. É natural. Mas essas pessoas que a gente conhece desde pequeno e que podemos contar, para mim tem outro nome: família.
Com a redução das famílias modernas, é natural que tenhamos que reforçar as conexões para além dela. É possível que seja por esse motivo que se tem tanta necessidade de firmar esses laços de muito tempo. Mas veja, se vocês se reúnem apenas relembrar momentos nostálgicos, sem conseguir trocar uma ideia contemporânea juntos, no que se baseia essa relação?
Se você é uma pessoa nostálgica, respeito. Mas pelo que podemos perceber, nossa sociedade é feita de ideias construídas de forma conjunta. E os amigos são a matéria-prima nessa construção do saber social.
Reconhecendo os bons sentimentos mútuos
Independente da amizade ser um fruto das circunstâncias da vida, é fato que existem pessoas que tem uma conexão diferente com você. Elas podem estar no mundo ou dentro da sua família. Basicamente, quando isso acontece, foi porque percebemos que os valores daquela pessoa são os mesmos que os nossos.
Inclusive, apesar das linhas acima, acredito em amizade de infância. Entretanto, é preciso entender que isso pouco a ver com o tempo que vocês se conhecem, e muito mais com os pontos que vocês mantém em comum até hoje, cultivando esses valores e construindo novos saberes entre vocês.
Por este motivo, se você é alguém que foca nos bons sentimentos, nos valores humanos das pessoas, sendo capaz de trocar uma ideia atual com elas como se vocês se vissem todos os dias, parabéns! Esse feliz dia o amigo é pra você. 😉
Foto: Camilla Antunes