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Varanasi: realidade da vida transformada em show pirotécnico com as cremações

Soluções digitais para instituições e marketing político.

Varanasi: realidade da vida transformada em show pirotécnico com as cremações

Você entra no trem, amarra a mala com uma corrente, sobe na cama e vai! De Delhi à Varanasi são uns mil e duzentos minutos de emoção. E assim fui para a cidade sagrada dos hindus.

Conheci Tchapati por uma sucessão de fatos. Cheguei em Varanasi às 4 da manhã. Escuridão, macacos, ratos, baratas, gente, muito tudo para todos os lados. Só restava esperar o dia clarear. Sem hotel, hostel, nem nada, fui no tato. Às vezes é bom fazer assim. Era só sentar no banco com a mochila e esperar. Uma hora a historinha do cheap room vem. Começa a côrte. Chega um e oferece tuktuk, o outro oferece hotel, abaixa preço pra lá, fala que tem a “melhor vista” pra cá. É só ouvir e barganhar. Dia clareia. Tuktuk com o conhecido indian price e vamos lá!

O motorista explica tudo sobre a cidade. Do jeito dele, é claro. Os esqueminhas, a chamar o Gânges de “mother ganga”, essas coisas. Simpatia mil. Me leva nas guest houses que são “a boa” e, de fato, não tinha muito melhor ou pior. Apenas diferentes. Paramos em duas. Lotadas! Aí ele mete mais um esquema: “Oh, fala que vai ficar 3 dias.” “Mas só vou ficar dois!”, respondo. “Fala que são 3 e depois muda de ideia”.

Na terceira, isso não foi necessário. Falei que ia ficar 2 dias e tudo bem. Aceito. Fui recebido por um dos membros da família. “Tem wi-fi?” “Tem.” Só precisava escutar aquela afirmação. O que viesse a mais era lucro.

Varanasi: as lições de Tchapati – Matheus Graciano

No mesmo dia da chegada, veio aquele senhor tranquilo. Era Tchapati, o chefe da família daquela guest house. Aparentando ter uns 50 e poucos anos, perguntou o que estava fazendo em Varanasi, até quando ficaria e me deu uma aula sobre o comportamento. Mesmo falando um idioma que não era o meu, nem o dele, a comunicação parecia que não se dava pelas palavras, mas pelos gestos e forma de falar. Entretanto, algumas coisas ele fez questão de falar de forma firme e direta: “Se alguém lhe oferecer algo, não aceite. Não aceite ir à qualquer lugar. Tome meu cartão, fale que está hospedado aqui.” Voltei a ter 7 anos de idade por alguns minutos.

Em um determinado momento da conversa, a palavra “Paquistão” foi citada. Confesso que não lembro de mais nada depois que ele pronunciou esse país. Se você não se lembra, Paquistão e Índia separaram-se após o processo de independência do domínio inglês. Depois de 1956, foram muçulmanos para um lado e hindus para o outro.

Peaceful and Serene

Ao final, ele completou: “Peaceful and Serene”. Ah, tá bom! E lá fui eu, com um medo da porra. Mas sereno e pacífico. Fazia sentido, o assédio na beira do ganges é absurdo. Deu pra entender perfeitamente o que o gringo sofre quando chega no Brasil. Essa situação é uma merda.

Tchapati me acompanhou nas negociações com os barqueiros, apresentou os negócios de sua família (para que eu comprasse, é claro), expôs a índia de uma forma mais próxima e explicou onde eu “não precisava ir”. Recado dado. Andava com aquela manchinha vermelha na testa. Curioso, fui perguntar o lance das castas. Explicou e se apresentou como Brâmane. Como eu vi Caminho das Índias, respeitei o dobro. Brincadeiras à parte, era nítida a moral que ele tinha na comunidade. Foi impossível não me imaginar naquela idade com aquele respeito. Coisas que só a idade nos traz.

Minha pacificidade foi posta à prova a cada dia que se passava. Por mais sereno que me mantivesse, não conseguia ficar tranquilo, sozinho num ambiente com tanta malandragem. Cada um se defende como pode. Mas aquele lance de Índia paz e amor, definitivamente, é para guias turísticos.

Varanasi: impressões gerais

Varanasi é um lugar tipicamente bem pobre. E como qualquer outro lugar muito pobre, não há saneamento básico decente, nem banheiros suficientes. As valas na beira da rua são como “hidrovias’ onde deveria haver um meio-fio. Na verdade, elas servem de “mini redes de esgoto”.

Ao redor, é muita poeira, lixo e sujeira no chão. Não dá para maquiar, essa é a realidade que estampa a imagem da cidade. Entretanto, como todo lugar desprovido materialmente, é religiosamente riquíssima, uma especialidade dos indianos, aliás. Para os hindus, Varanasi é terra sagrada, pontuada bem no leste indiano.

No meio de Varanasi passa o Rio Ganges. Logo que cheguei, aliás, o motorista do TukTuk fez questão de me dizer que, para os locais, o rio era a “Mother Ganga”, uma vez que o rio é a mãe da região.

Aliás, esse conceito de “mãe” é algo nativo em diversos povos, uma vez que as cidades precisam de fontes de água para hidratar as pessoas, sem falar na principal fonte da agricultura.

Ainda sim, no caso, o Rio Ganges estava bem mal tratado. Particularmente, não conheço gente que trate sua própria mãe tão mal assim.

Não consigo compreender bem como o indiano médio se dá com o conceito de poluição. No Rio Ganges, as pessoas tomam banho, nadam, pescam, festejam e desovam seus cadáveres, infelizmente. Os que tem mais posses, conseguem queimá-los e fazer suas cerimônias em um dos “ghats”. Aliás, se bater curiosidade, busque no Google.

Aliás, os gaths são espaços na margem do rio onde acontece de tudo. Na prática, são divisões territoriais onde rolam rituais diários, faça chuva ou faça sol. Danças, músicas, cerimônias e as famosas cremações. Estes últimos, aliás, são conhecidos como burning gaths, onde se cremam os falecidos na cidade.

Cerimônias de Cremação em Varanasi são pontos turísticos :/

Como em todo lugar turístico, tudo se torna atração. Inclusive as cerimônias dos burning gahts, que foram espetacularizadas. O mais famoso deles ainda tenta se resguardar, preservando o respeito às famílias. Entretanto, há quem também não queira nem saber, só rentabilizar.

Todo turismo vive de um pequeno espetáculo, aliás. É aquele fato contato ao turista e exibido perfeitamente, como no cartão postal. No Brasil, por exemplo, temos as rodas de capoeira com hora marcada. Elas começam em pontos específicos um pouco antes do guia chegar com seus gringos ao local. Muitos deles pensam realmente que “todo dia o brasileiro está empenhado na manutenção de sua cultura”, bem como aqueles que acham que verão carnaval 365 dias por ano.

Pobreza e religiosidade se retroalimentam

Ainda sim, voltando à Varanasi, questionamentos ético se sobrepõem à necessidade de quem vive do turismo.

Porém, depois de andar bem pela cidade, parece que muito dessa realidade alheia a direitos e confortos vai desaparecendo. Varanasi vive da crença religiosa, sendo um destino extremamente exótico ao turista mais inclinado às questões religiosas que embebem o lugar.

É perceptível na sociedade que, quanto mais instrução e informação, menor o índice de crenças e superstições. Isso nos leva a pensar que o turismo em Varanasi vive da própria pobreza material de seu povo. Afinal, crer em algo superior é fundamental num lugar onde a forte pobreza precisa ser encarada como um estágio anterior até encontrar o meu ser supremo.

Pobreza e religiosidade são um prato delicioso para quem não convive com isso, diariamente, como sua realidade local. Posso ter sido bem radical na minha visão com a cidade, mas quantas vezes já não vimos pessoas falando que “antigamente era melhor”, mesmo tendo a dimensão da quantidade de mazelas que ocorriam na vida das pessoas?

Creio que Varanasi um dia superará isso, combinando prosperidade e religiosidade.

Aproveite para ver os vídeos também.

Você entra no trem, amarra a mala com uma corrente, sobe na cama e vai! De Delhi à Varanasi são uns mil e duzentos minutos de emoção. E assim fui para a cidade sagrada dos hindus.

Conheci Tchapati por uma sucessão de fatos. Cheguei em Varanasi às 4 da manhã. Escuridão, macacos, ratos, baratas, gente, muito tudo para todos os lados. Só restava esperar o dia clarear. Sem hotel, hostel, nem nada, fui no tato. Às vezes é bom fazer assim. Era só sentar no banco com a mochila e esperar. Uma hora a historinha do cheap room vem. Começa a côrte. Chega um e oferece tuktuk, o outro oferece hotel, abaixa preço pra lá, fala que tem a “melhor vista” pra cá. É só ouvir e barganhar. Dia clareia. Tuktuk com o conhecido indian price e vamos lá!

O motorista explica tudo sobre a cidade. Do jeito dele, é claro. Os esqueminhas, a chamar o Gânges de “mother ganga”, essas coisas. Simpatia mil. Me leva nas guest houses que são “a boa” e, de fato, não tinha muito melhor ou pior. Apenas diferentes. Paramos em duas. Lotadas! Aí ele mete mais um esquema: “Oh, fala que vai ficar 3 dias.” “Mas só vou ficar dois!”, respondo. “Fala que são 3 e depois muda de ideia”.

Na terceira, isso não foi necessário. Falei que ia ficar 2 dias e tudo bem. Aceito. Fui recebido por um dos membros da família. “Tem wi-fi?” “Tem.” Só precisava escutar aquela afirmação. O que viesse a mais era lucro.

Varanasi: as lições de Tchapati – Matheus Graciano

No mesmo dia da chegada, veio aquele senhor tranquilo. Era Tchapati, o chefe da família daquela guest house. Aparentando ter uns 50 e poucos anos, perguntou o que estava fazendo em Varanasi, até quando ficaria e me deu uma aula sobre o comportamento. Mesmo falando um idioma que não era o meu, nem o dele, a comunicação parecia que não se dava pelas palavras, mas pelos gestos e forma de falar. Entretanto, algumas coisas ele fez questão de falar de forma firme e direta: “Se alguém lhe oferecer algo, não aceite. Não aceite ir à qualquer lugar. Tome meu cartão, fale que está hospedado aqui.” Voltei a ter 7 anos de idade por alguns minutos.

Em um determinado momento da conversa, a palavra “Paquistão” foi citada. Confesso que não lembro de mais nada depois que ele pronunciou esse país. Se você não se lembra, Paquistão e Índia separaram-se após o processo de independência do domínio inglês. Depois de 1956, foram muçulmanos para um lado e hindus para o outro.

Peaceful and Serene

Ao final, ele completou: “Peaceful and Serene”. Ah, tá bom! E lá fui eu, com um medo da porra. Mas sereno e pacífico. Fazia sentido, o assédio na beira do ganges é absurdo. Deu pra entender perfeitamente o que o gringo sofre quando chega no Brasil. Essa situação é uma merda.

Tchapati me acompanhou nas negociações com os barqueiros, apresentou os negócios de sua família (para que eu comprasse, é claro), expôs a índia de uma forma mais próxima e explicou onde eu “não precisava ir”. Recado dado. Andava com aquela manchinha vermelha na testa. Curioso, fui perguntar o lance das castas. Explicou e se apresentou como Brâmane. Como eu vi Caminho das Índias, respeitei o dobro. Brincadeiras à parte, era nítida a moral que ele tinha na comunidade. Foi impossível não me imaginar naquela idade com aquele respeito. Coisas que só a idade nos traz.

Minha pacificidade foi posta à prova a cada dia que se passava. Por mais sereno que me mantivesse, não conseguia ficar tranquilo, sozinho num ambiente com tanta malandragem. Cada um se defende como pode. Mas aquele lance de Índia paz e amor, definitivamente, é para guias turísticos.

Varanasi: impressões gerais

Varanasi é um lugar tipicamente bem pobre. E como qualquer outro lugar muito pobre, não há saneamento básico decente, nem banheiros suficientes. As valas na beira da rua são como “hidrovias’ onde deveria haver um meio-fio. Na verdade, elas servem de “mini redes de esgoto”.

Ao redor, é muita poeira, lixo e sujeira no chão. Não dá para maquiar, essa é a realidade que estampa a imagem da cidade. Entretanto, como todo lugar desprovido materialmente, é religiosamente riquíssima, uma especialidade dos indianos, aliás. Para os hindus, Varanasi é terra sagrada, pontuada bem no leste indiano.

No meio de Varanasi passa o Rio Ganges. Logo que cheguei, aliás, o motorista do TukTuk fez questão de me dizer que, para os locais, o rio era a “Mother Ganga”, uma vez que o rio é a mãe da região.

Aliás, esse conceito de “mãe” é algo nativo em diversos povos, uma vez que as cidades precisam de fontes de água para hidratar as pessoas, sem falar na principal fonte da agricultura.

Ainda sim, no caso, o Rio Ganges estava bem mal tratado. Particularmente, não conheço gente que trate sua própria mãe tão mal assim.

Não consigo compreender bem como o indiano médio se dá com o conceito de poluição. No Rio Ganges, as pessoas tomam banho, nadam, pescam, festejam e desovam seus cadáveres, infelizmente. Os que tem mais posses, conseguem queimá-los e fazer suas cerimônias em um dos “ghats”. Aliás, se bater curiosidade, busque no Google.

Aliás, os gaths são espaços na margem do rio onde acontece de tudo. Na prática, são divisões territoriais onde rolam rituais diários, faça chuva ou faça sol. Danças, músicas, cerimônias e as famosas cremações. Estes últimos, aliás, são conhecidos como burning gaths, onde se cremam os falecidos na cidade.

Cerimônias de Cremação em Varanasi são pontos turísticos :/

Como em todo lugar turístico, tudo se torna atração. Inclusive as cerimônias dos burning gahts, que foram espetacularizadas. O mais famoso deles ainda tenta se resguardar, preservando o respeito às famílias. Entretanto, há quem também não queira nem saber, só rentabilizar.

Todo turismo vive de um pequeno espetáculo, aliás. É aquele fato contato ao turista e exibido perfeitamente, como no cartão postal. No Brasil, por exemplo, temos as rodas de capoeira com hora marcada. Elas começam em pontos específicos um pouco antes do guia chegar com seus gringos ao local. Muitos deles pensam realmente que “todo dia o brasileiro está empenhado na manutenção de sua cultura”, bem como aqueles que acham que verão carnaval 365 dias por ano.

Pobreza e religiosidade se retroalimentam

Ainda sim, voltando à Varanasi, questionamentos ético se sobrepõem à necessidade de quem vive do turismo.

Porém, depois de andar bem pela cidade, parece que muito dessa realidade alheia a direitos e confortos vai desaparecendo. Varanasi vive da crença religiosa, sendo um destino extremamente exótico ao turista mais inclinado às questões religiosas que embebem o lugar.

É perceptível na sociedade que, quanto mais instrução e informação, menor o índice de crenças e superstições. Isso nos leva a pensar que o turismo em Varanasi vive da própria pobreza material de seu povo. Afinal, crer em algo superior é fundamental num lugar onde a forte pobreza precisa ser encarada como um estágio anterior até encontrar o meu ser supremo.

Pobreza e religiosidade são um prato delicioso para quem não convive com isso, diariamente, como sua realidade local. Posso ter sido bem radical na minha visão com a cidade, mas quantas vezes já não vimos pessoas falando que “antigamente era melhor”, mesmo tendo a dimensão da quantidade de mazelas que ocorriam na vida das pessoas?

Creio que Varanasi um dia superará isso, combinando prosperidade e religiosidade.