Entre atrasos, assaltos, homicídios e choque de realidade
Há poucos dias de se tornar um foco de atenção mundial com o carnaval, o estado do Rio de Janeiro convulsiona. Servidores públicos passam por um dos piores apertos dos últimos anos. Sem salários, não resta muita coisa além de protestar e esperar.
Quando escrevi o “No Rio, 2017 já chegou”, ainda em 2015, confesso que já falava aos mais próximos que o fundo do poço ainda não havia chegado. Agora, aqui estamos. No caos.
Um dos reflexos mais simples são as ruas. Quando o perfil etário muda, as coisas ficam sérias. Saem de cena os jovens cheios de esperança num mundo melhor, dando lugar aos adultos e seus medos de ficarem ainda mais tempo sem receber. Isso tem um impacto sério no emocional geral, especialmente quando a pessoa tem outros problemas pessoais em jogo. Afinal, adultos têm contas a pagar. Um exemplo desses extremos aconteceu com o policial Douglas de Jesus Vieira, 28 anos, que se suicidou num vídeo ao vivo no Facebook.
Ainda nas ruas, dois outros conhecidos da população fluminense estão de volta com força total. O ISP (Instituto de Segurança Pública do RJ) revelou que em 2016 o número de homicídios aumentou 19,8% em relação ao ano anterior. No mesmo ano da Olimpíada, os roubos a veículos dispararam 34,4%. Enquanto a TV era só alegria, por conta da festa, a população era testemunha viva da piora na qualidade de vida. Agora, em 2017, o que estamos vendo é a continuação de um quadro que parece estar chegando num ponto infernal, num território que para muitos ainda é vendido como paradisíaco.
Um processo de depuração do mal
Porque resistimos? Como aguentamos?
Essa é uma das perguntas que mais me faço todo dia. O que nos dá energia para persistimos como o palco do carnaval e dos grandes eventos? Como ainda fervilhamos como exportadores de cultura para o Brasil e para o mundo? E como isso funciona estando toda semana nas páginas policiais, dos homicídios às prisões de ex-governadores e de bilionários?
Mesmo diante de tantos fatos somados, sinto que estamos passando por um período de depuração. Talvez uma representação do que acontece em todo o Brasil. Um lugar onde o mal é exposto para que nós encontremos nosso mais verdadeiro “eu-social”. Em outras palavras, é nos piores momentos que nos conhecemos melhor.
A evolução econômica da última década nos deixou cegos e surdos. Fomos nos esquecendo de nossas raízes e pontos de encontro. Estamos colhendo frutos de nossa omissão. Mas tenho certeza que, como a famosa Fênix, o resultado do pós-fundo do poço será uma surpresa ainda maior.
Mesmo chegando ao fundo do poço, ainda estamos perto da praia. Talvez esse seja o segredo para prosseguir e repensar o futuro.
Entenda como chegamos até aqui.
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